comorosasdeareia

palavras...como "rosas de areia" ou "flores do deserto"...

domingo, dezembro 18, 2005


Voltarei no próximo ano, se a vida deixar...
Para todos, um Natal pleno de luz e um 2006 cheio de mimos e sorrisos...
Deixo este poema de Torga, porque, no Natal, sinto sempre saudades de todas as inocências perdidas…



NATAL TODOS OS DIAS

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga

domingo, dezembro 11, 2005

nocturno3.jpg


NOCTURNO
À noite vou por aí,
ociosamente.
Percorro um ritual lilás
feito de violetas de pedra
e traço cada pausa
no retorno da lua inicial.
Aqui a memória é lenta
como as angústias.
Muitas vezes vejo árvores
com frutos azuis,
ou animais em nudez perfeita
respirando o vento.
A escuridão é o subterfúgio
inesperado do coração
quando o olhar aquece
e o orvalho é de cetim.
Há máscaras de búzios e limos
na cara de quem passa.
Nas suas vozes ouço o itinerário
das manhãs siderais
e nasce nos meus passos
o rumo da via láctea.
Ninguém me conhece.
Venho do arco-íris
e trago nos dedos
o ângulo transparente da noite.

Graça Pires

sábado, dezembro 03, 2005








O SILÊNCIO

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,

inda demora,
quando azuis irrompem

os teus olhos
e procuram

nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras

desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.


Eugénio de Andrade