POEMA À MÃE
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."
Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...
Boa noite. Eu vou com as aves!
Eugénio de Andrade
6 Comments:
At 2:10 da tarde, gato_escaldado said…
como por vezes apetecem rosas brancas! tanto...
At 2:17 da tarde, Anónimo said…
ah, esta coisa do coração ficar enorme, a não caber na moldura do peito, por vezes dói mesmo...
Sobretudo, quando já não há o refrigério "daquelas" rosas brancas...
beijo terno, Maria
At 8:44 da tarde, Anónimo said…
A inocência perdida?!
Maria, só agora chegámos à idade da inocência.
Mil beijos de saudade.
At 9:04 da tarde, M.P. said…
Que TERNURA este Poema do Eugénio de Andrade! Soube-me BEM ler-te no Dia da Mãe! :)**
At 9:19 da tarde, lique said…
Maria, o ano passado escolhi este mesmo poema para o dia da mãe. Acho-o talvez um dos poemas mais adultos sobre o assunto. Além de que é lindo, claro! Beijinhos, Maria.
At 11:31 da manhã, wind said…
Belo, muito belo. beijos:))**
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