Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enláçamos as mãos, nem nos beijámos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
Ricardo Reis
6 Comments:
At 6:37 da tarde, Victor Oliveira Mateus said…
Apesar de ser o heterónimo de Pessoa de que menos gosto (não por culpa dele, mas dos outros que "me
apanharam" cedo...) este poema de Ricardo Reis é das "coisas" mais belas que conheço... Gosto desta aceitação calma da efemeridade, de tudo o que passa...
Abraço
At 10:57 da tarde, vida de vidro said…
O poema é belíssimo, claro. Mas quem consegue esse desprendimento, essa aceitação? **
At 1:06 da tarde, Graça Pires said…
Gostei de encontrar aqui um poema de Ricardo Reis. De Pessoa é ele que mais esquecemos. O poema é magnífico.
Um beijo.
At 4:23 da tarde, JPD said…
Uma delícia.
Belíssima escolha, maria.
Bjs
At 9:14 da tarde, Manuel Veiga said…
belas as mãos enlaçadas. sem mais. bastando saber que se podiam trocar beijos...
beijo meu...
At 6:45 da tarde, Sonia Schmorantz said…
Gosto muito de vir ler o teu blogger, gosto da leveza com que escreve, dá um imenso prazer permanecer em teu espaço.
Boa semana
abraços
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