comorosasdeareia

palavras...como "rosas de areia" ou "flores do deserto"...

quinta-feira, outubro 30, 2008



Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enláçamos as mãos, nem nos beijámos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis

6 Comments:

  • At 6:37 da tarde, Blogger Victor Oliveira Mateus said…

    Apesar de ser o heterónimo de Pessoa de que menos gosto (não por culpa dele, mas dos outros que "me
    apanharam" cedo...) este poema de Ricardo Reis é das "coisas" mais belas que conheço... Gosto desta aceitação calma da efemeridade, de tudo o que passa...
    Abraço

     
  • At 10:57 da tarde, Blogger vida de vidro said…

    O poema é belíssimo, claro. Mas quem consegue esse desprendimento, essa aceitação? **

     
  • At 1:06 da tarde, Blogger Graça Pires said…

    Gostei de encontrar aqui um poema de Ricardo Reis. De Pessoa é ele que mais esquecemos. O poema é magnífico.
    Um beijo.

     
  • At 4:23 da tarde, Blogger JPD said…

    Uma delícia.
    Belíssima escolha, maria.
    Bjs

     
  • At 9:14 da tarde, Blogger Manuel Veiga said…

    belas as mãos enlaçadas. sem mais. bastando saber que se podiam trocar beijos...

    beijo meu...

     
  • At 6:45 da tarde, Blogger Sonia Schmorantz said…

    Gosto muito de vir ler o teu blogger, gosto da leveza com que escreve, dá um imenso prazer permanecer em teu espaço.
    Boa semana
    abraços

     

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