Sem mais nem menos
surgiu o passado,
corpo intranquilo
feito de sons semelhantes
aos rostos que amei,
universo donde me excluí,
mar desprovido de cais
na obliquidade dos contrastes.
Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som.
À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.
Procuro, teimosamente,
o rasto da brisa
que me invade o corpo
e apenas sei que o sonho
é um risco inquietante,
quando a solidão tem rosto
e se conhece a posição das estrelas
no âmago das palavras.
Reinicio a infância
no esboço do poema
e circunscrevo o litoral
fragmentado do que sou.
Quem foi que descodificou
o céu no meu olhar
e me deixou na alma
um deus imaginado?
Quando o espaço do sonho é circular
como o tempo das cerejas,
ou da migração dos pássaros
que fendem o infinito,
inadiado é o rito da poesia.
Se eu fosse uma gaivota, dançaria
na proa dos veleiros
até à hipnose
de abraçar a maresia.
Graça Pires
8 Comments:
At 8:19 da manhã, A.S. said…
Olá! Lindissimo este poema! Depois de o ler, também quis voltar à minha infância, de sonhos nos bolsos...os sonhos de hoje, são um risco inquietante quando a solidão tem rosto.
Um beijo e um optimo fim de semana.
At 2:37 da tarde, lique said…
Que belo poema, Maria! Fica-nos uma vontade de voltar à infância, ao "espaço dos sonhos", ao "passado (...) feito de sons semelhantes aos rostos que amei". Beijinhos. Bom fim de semana
At 10:34 da tarde, Anónimo said…
Um dos mais belos poemas de Graça Pires:) Bom fim de semana e beijos:)** wind
At 10:50 da tarde, Unknown said…
OLA, SO POSSO DIZER QUE È LINDO:))
BJS
LIZ
At 10:52 da tarde, JPD said…
Quando puderes, dá nota da bibliografia da Graça. valeu?
Bjs
At 8:20 da tarde, Anónimo said…
Olá! Vim-te desejar um BOM fim de semana apesar do mau tempo previsto ... Mas... na infância havia Sonho... para a infância se regressa em busca do tempo de despreocupação, em busca da capacidade de Sonhar que esta vida não vida do dia a dia vai matando lentamente... é bom não deixar morrer a criança dentro de nós, aquela centelha que ficou do saber imaginar mundos outros, onde se é aquilo que se quer ser... :)**
At 8:21 da tarde, Anónimo said…
Esqueço-me sempre de dizer quem sou..LOL.. ** M.P.
At 11:52 da tarde, JPD said…
Muito bonito!
Bjs
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