REGRESSO
Sem mais nem menos
surgiu o passado,
corpo intranquilo
feito de sons semelhantes
aos rostos que amei,
universo donde me excluí,
mar desprovido de cais
na obliquidade dos contrastes.
Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som.
À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.
Procuro, teimosamente,
o rasto da brisa
que me invade o corpo
e apenas sei que o sonho
é um risco inquietante,
quando a solidão tem rosto
e se conhece a posição das estrelas
no âmago das palavras.
Reinicio a infância
no esboço do poema
e circunscrevo o litoral
fragmentado do que sou.
Quem foi que descodificou
o céu no meu olhar
e me deixou na alma
um deus imaginado?
Quando o espaço do sonho é circular
como o tempo das cerejas,
ou da migração dos pássaros
que fendem o infinito,
inadiado é o rito da poesia.
Se eu fosse uma gaivota, dançaria
na proa dos veleiros
até à hipnose
de abraçar a maresia.
10 Comments:
At 11:41 da tarde, wind said…
Magnífico poema! beijos
At 12:55 da tarde, Manuel Veiga said…
procuramos as estrelas no "âmago das palavras". e desenhamos o rosto da solidão. celebro este (teu)regresso. excelente. beijos
At 6:00 da tarde, Anónimo said…
Belo o poema!
Este regresso dissolve-se na imensidão do sentir que nos enche a alma...
Regresso nos pormenores, em cada detalhe...
At 6:33 da tarde, vida de vidro said…
"À infância regressa-se solitariamente". Verdade. Este é um poema belíssimo. Gosto de te saber regressada. :)**
At 10:57 da tarde, JPD said…
Belo!
Bjs
At 9:19 da manhã, Nilson Barcelli said…
Não sei quem é a Graça Pires (serás tu?), mas o poema é magnífico.
Há passagens belíssimas, por exemplo:
"Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som."
Bom fim-de-semana.
Beijos.
At 1:12 da tarde, Anónimo said…
Olá!
Se gostas de cinema vem visitar-nos em
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todos os dias falamos de um filme diferente
Paula e Rui Lima
At 2:30 da tarde, Manuel Veiga said…
beijo.
At 10:57 da tarde, Manel do Montado said…
Boa escolha...excelente, soberba mesmo.
Quem é a Graça Pires?
Bj
At 12:03 da tarde, Anónimo said…
O poema é, de facto, "magnífico", "belíssimo",
"soberbo", ... Quanto a Graça Pires, poeta com vários livros publicados, e que venceu, entre outros, o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, basta visitar o seu blog www.ortografiadoolhar.blogspot.com para conhecer a sensível e surpreendente polifonia do seu canto poético.
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