comorosasdeareia

palavras...como "rosas de areia" ou "flores do deserto"...

quarta-feira, outubro 27, 2004

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ORIENTAÇÃO

Ainda que perdidos
meus passos pareçam…
ainda que a alma segrede
o desencontro dos exilados,
eu sei de uma razão…
e por ela sigo,
busca incessante
teimando o caminho.
leva-me o sonho
que em mim ganhou voz…
minha estrela, meu norte,
meu rumo, meu trilho
minha barca d´Alva
levando na proa
o mapa dos ventos que
lhe dá sentido.

Ângela Santos

quinta-feira, outubro 21, 2004

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REGRESSO

Sem mais nem menos
surgiu o passado,
corpo intranquilo
feito de sons semelhantes
aos rostos que amei,
universo donde me excluí,
mar desprovido de cais
na obliquidade dos contrastes.

Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som.

À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.

Procuro, teimosamente,
o rasto da brisa
que me invade o corpo
e apenas sei que o sonho
é um risco inquietante,
quando a solidão tem rosto
e se conhece a posição das estrelas
no âmago das palavras.

Reinicio a infância
no esboço do poema
e circunscrevo o litoral
fragmentado do que sou.

Quem foi que descodificou
o céu no meu olhar
e me deixou na alma
um deus imaginado?

Quando o espaço do sonho é circular
como o tempo das cerejas,
ou da migração dos pássaros
que fendem o infinito,
inadiado é o rito da poesia.

Se eu fosse uma gaivota, dançaria
na proa dos veleiros
até à hipnose
de abraçar a maresia.

Graça Pires

domingo, outubro 17, 2004

estrelinhas1.bmp “De repente uma ideia que se atravessou na sua mente fê-la levantar-se e olhar para o céu estrelado. Ela sabia, pois sentira isso na própria carne, como pode ser poderoso o fogo de um olhar.
É capaz de acender o sol. Tomando isto em consideração, o que é que aconteceria se Gertrudis olhasse para uma estrela? De certeza que o calor do seu corpo, inflamado pelo amor, viajaria com o olhar através do espaço infinito sem perder a sua energia, até se depositar no luzeiro da sua atenção. Estes grandes astros sobreviveram milhões de anos porque têm muito cuidado em absorverem os raios ardentes que os amantes de todo o mundo lhes lançam noite após noite. Se o fizessem, gerar-se-ia tanto calor no seu interior que rebentariam em mil pedaços. Como tal, ao receberem um olhar rejeitam-no imediatamente, reflectindo-o para a terra como num jogo de espelhos. É por isso que brilham tanto de noite. E foi por isso que Tita teve a esperança de que, se pudesse descobrir entre todas as estrelas do firmamento qual era a que a irmã via naquele momento, receberia por reflexo um pouco do calor que a ela lhe sobrava.”

Laura Esquível in Como Água Para Chocolate

sábado, outubro 16, 2004

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O NAVEGANTE

Quero um montão de tábuas e um motor de pano
Pra passear meu corpo e adormecer meu sono
Na esburacada estrada do oceano

Aportarei meu barco apenas de ano em ano
E onde houver silêncio eu ficarei cantando
Pra não deixar morrer o gesto humano

Entenderei as águas e os peixes passando
E se me perguntarem pra onde vou e quando
Responderei, apenas navegando, apenas navegando

Embarcarei comigo feminino encanto
Pra que não falte a vida quando for preciso
Uma razão mais forte que o espanto, mais forte que o espanto

Semearei meu sangue, meu amor, meu rosto
Pra que depois de mim eu possa estar presente
Entre as canções que eu não houver composto

Naufragarei um dia em pleno mar sem dono
E submerso em lendas como como um visitante
Entre os recifes dormirei meu sono

Sidney Miller

terça-feira, outubro 12, 2004

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NAS ASAS DO CONDOR

Entre a serra e o rio compus meu ser
com pinceladas de cor
em tons de sonho e de ternura.
Entre a serra e o rio viajei nas asas do condor
a salvo de toda a amargura.
Entre a serra e o rio conheci o poeta e o pintor
ouvi histórias de encantar, vindimei cachos de suor
enfeitei minhas tranças de luar.
Entre a serra e o rio comi com a sua gente à mesma mesa
e no seu seio fui menina e no seu colo fui princesa.
Entre a serra e o rio, ao desatar meus laços
senti a poesia em mim bem fundo.
Entre a serra e o rio abri meus braços
e abracei o mundo

domingo, outubro 10, 2004

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MARÉS DE DESEJO

Se a maré da tua boca
Viesse mais vezes
Ao cais da minha voz calada

haveria festa no mar
Quando a alga da tua mão aberta
Fizesse espuma no meu ombro!
E só uma barbatana nos guiaria
Aos mistérios que do sal se erguem!
Os meus lábios de concha
Abrir-se-iam mais leves
E o teu arco-íris tocaria no meu
Todos os dias!

António Manuel de Castro
(poeta madeirense)

quinta-feira, outubro 07, 2004

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TERNURA

Desvio dos teus ombros o lençol,
Que é feito de ternura amarrotada
,
Da frescura que vem depois do sol,
Quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te lentamente,
E é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão Ferreira

terça-feira, outubro 05, 2004

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Estou de volta e comigo a chuva de que tanto gosto…

No “meu” Douro, enchi os olhos da beleza com que o Outono, com a sua paleta de cores ímpar, pinta, socalco a socalco, as folhas das videiras agora despojadas de uvas, mas plenas de cor, numa generosidade única que vai para além da dádiva do fruto…
Depois, ao fundo, o rio, aguarela maravilhosa em que, como por magia, tudo se mistura, reflexo de céu e terra, flores e frutos, suores e cantares, abnegação e paz…
Mergulhando o olhar neste rio que os montes aconchegam no seu seio, lavei a alma e regressei mais forte…
Que venham agora mansamente a chuva, os poentes de névoa, as noites maiores e todos os aconchegos de que só as estações tristonhas alegremente são capazes…



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CHOVE!

Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira